Fonte: Gazeta Digital, créditos da imagem: Sandro Araújo/Agência Saúde DF
Nos últimos dias, registros de intoxicação por metanol em bebidas causou grande preocupação entre a população, principalmente aqueles que apreciam “bons drinks”. Lotes de bebidas falsificadas foram apreendidas, comércios fechados e pessoas hospitalizadas. De acordo com o Ministério da Saúde, foram confirmados 24 casos de intoxicação pela substância no Brasil e 5 mortes, além de 11 óbitos sob investigação.
A intoxicação está ocorrendo pela ingestão de bebidas alcoólicas destiladas adulteradas com o produto. No total, foram realizadas 259 notificações, sendo 24 casos confirmados e 235 em investigação. Outras 145 suspeitas foram descartadas.
Para entender como a substância age no organismo, bem como a principal forma de prevenção, o GD conversou com Felipe Thomaz Aquino, professor da Universidade Federal de Mato Grosso e doutor em ciência pela Universidade de São Paulo (USP). Ele mantém o projeto “Ciência Sem Moage” no Instagram, onde publica informações científicas acerca de temas variados.
Gazeta Digital: O que é o metanol e o que ele causa no organismo?
Felipe Thomaz Aquino: É uma substância da classe dos álcoois. A gente fala muito “álcool” no dia a dia para definir o etanol, que é um tipo de parente do metanol utilizado em todas as bebidas alcoólicas. Já o metanol é utilizado mais para polímeros, como solvente na indústria e para fazer diversos produtos.
O problema é que o metanol no nosso organismo causa um impacto muito grande, porque ele produz substâncias que não são absorvidas pelo corpo e que são nocivas, no caso o ácido fórmico. Por ser um ácido que também é tóxico, ele para o nosso organismo e aumenta a acidez. Aí é onde começam os efeitos que se tem observado. Inicialmente, a intoxicação se parece com uma ressaca.
Gazeta Digital: Quando procurar um médico?
Felipe Thomaz Aquino: A contaminação pode trazer dores abdominais, tontura, mal-estar e vômito às vezes. Então, a pessoa acha só que passou um pouco do ponto, bebeu demais ou não caiu bem, e aí é importante ela se conhecer.
A pessoa que consome bebidas alcoólicas com certa frequência sabe o limite dela. Então, se ela sentir qualquer coisa fora do normal, deve procurar o serviço de saúde o mais rápido possível, porque tem sido relatado nos óbitos confirmados, que, às vezes, a pessoa não consegue nem ser levada pela ambulância.
A intoxicação por metanol pode evoluir para questões cerebrais, neurológicas e também para cegueira. Então, tem que se deslocar a um serviço de saúde o mais rápido possível quando sentir sintomas diferentes.
Gazeta Digital: Como o metanol vai parar na bebida?
Felipe Thomaz Aquino: O metanol tem sido observado principalmente na adulteração dos destilados. A destilagem é um processo de obtenção dessas bebidas em que você aquece uma mistura a uma temperatura muito alta até a substância passar do estado líquido para o gasoso e aí quando se resfria a gente tem o destilado. Durante esse processo de destilação pode ocorrer uma contaminação por metanol.
Já tinha sido relatado, por exemplo, metanol em cachaça de alambique, cachaças artesanais. Normalmente a pessoa começa produzindo por meio de um aprendizado informal, familiar que poderia acontecer contaminações.
Nesses casos mais extremos vistos agora, porém, a coisa tem sido muito alarmante e levado ao óbito das pessoas porque a quantidade tem sido adicionada, não é uma coisa que foi só um erro, ela é muito grande. E por isso que esses efeitos são tão rápidos. O metanol é muito pouco detectável. Então, pelo paladar, pelo olfato, pela visão, a pessoa não vai conseguir. Tem que usar algum método de análise.
Gazeta Digital: Por que ocorre essa substituição? O metanol tem menor custo que etanol?
Felipe Thomaz Aquino: Não é muito baixo o custo dele, mas o metanol pode ser subproduto da própria destilação ou de outros processos químicos que, às vezes, tem o metanol como subproduto e não é comercializado. Então, as pessoas estão tendo acesso a ele não se sabe de onde, porque também tem se observado adulteração em combustíveis com metanol.
Resta aguardar as investigações para ver de onde eles estão obtendo essa quantidade grande de metanol, porque é um reagente controlado. Mesmo eu, que sou químico, para comprar um reagente desse, eu tenho que ter uma autorização da polícia.
Gazeta Digital: Existem formas de se prevenir?
Felipe Thomaz Aquino: A gente tem que evitar o consumo. É a única maneira segura hoje que a gente tem de evitar essas intoxicações, porque não se sabe até onde estão indo esses lotes adulterados. A gente já teve um falso negativo aqui em Mato Grosso, mas infelizmente não temos como saber.
Tem outros relatos já de adulteração de cerveja com soda cáustica que aqui em Nova Mutum, bem perto da gente. No entanto, essa operação foi mais rápida. Já resolveram essa questão, mas nada impede que ocorra novamente.
O governo está buscando junto a polícia investigar isso, mas é um processo longo, porque os lotes vão ter que começar a ser analisados e só uma análise química vai poder dizer com certeza se houve adulteração ou não, antes de ser seguro novamente para os consumidores. Em São Paulo, têm ocorrido muitos casos, tem ocorrido inclusive em regiões nobres da cidade, indicando que quando a gente sai na noite, nos bares, restaurantes, muitas vezes a gente não tem acesso à bebida em si. A gente não sabe a questão a procedência e, às vezes, nem o próprio dono do estabelecimento vai saber disso.